BOOZ OU BOAZ? A RESPOSTA DEFINITIVA
INTRODUÇÃO
Boaz ou Booz: Qual o verdadeiro nome da coluna do Templo de Salomão, que é objeto também de boa parte das tradições maçônicas?
Este estudo tem por objetivo dar uma resposta definitiva à questão, analisando a palavra nas formas hebraica e grega.
A ORIGEM DO NOME
O nome Boaz deriva da seguinte passagem bíblica, que foi originalmente escrita no hebraico:
“Depois levantou as colunas no pórtico do templo; e levantando a coluna direita, pôs-lhe o nome de Jaquim; e levantando a coluna esquerda, pôs-lhe o nome de Boaz.” (1 Reis 7:21)
Há ainda uma passagem muito semelhante em 2 Crônicas 3:17. O termo também aparece, associado ao nome próprio de pessoas, nos livros de 1 Crônicas e Ruth.
ANÁLISE DO HEBRAICO
No total, Boaz, na forma original hebraica, aparece no texto bíblico 24 vezes. Elas se subdividem em duas grafias básicas:
Bho`az (בֹעַז) – aparece 8 vezes
Bo`az (בֹּעַז) – aparece 16 vezes
(Essa pequena variação na letra inicial, que pode ser lida de forma aspirada ou não, é comum no hebraico e não será objeto deste estudo, pois em nada impacta a questão da vogal.)
Em ambos os casos, a vogal que aparece é chamada Pata’h (também grafada Patach), que é representada por um traço horizontal ( – ) abaixo da consoante.
Entre dialetos e sistemas escritos, o hebraico tem hoje treze dialetos. A saber: Ashkenazi, Babilônio, Bíblico (Massorético), Medieval, Mishnaico, Moderno, Palestino, Samaritano e Sefaradita.
Entre eles, existem muitas diferenças fonéticas. Porém, naquilo que diz respeito ao Pata’h, acontece algo curioso: TODOS os sistemas que usam sinais massoréticos pronunciam-no da mesma maneira: /a/
O único sistema que não utiliza os sinais massoréticos e derivativos, o samaritano, também costuma pronunciar /a/ para palavras sílabas onde o pata’h é utilizado!
Ou seja, não se conhece no hebraico nenhuma outra tradição fonética que não seja pronunciar a segunda vogal do nome Boaz como /a/, isto é, de forma semelhante à letra A com acento agudo no português.
A VERSÃO GREGA
Existem essencialmente duas fontes para o texto que os cristãos conhecem como Antigo Testamento: O Texto Massorético, dos judeus, e a Septuaginta, da Igreja Católica, que deriva de uma outra família, hoje perdida, de manuscritos hebraicos.
Olhando para o grego, da Septuaginta, que poderia ser outra fonte fonética a considerar, mesmo que com ressalvas, encontramos no texto de 1 Reis 7:21 a grafia Βόαζ, que também seria pronunciada Boaz!
É na narrativa do livro de Ruth, encontramos finalmente a grafia Βοόζ, Boóz, que predomina na Septuaginta em todo o livro. Todavia, a conexão para com a Maçonaria se estabelece a partir de 1 Rs. 7:21 e não diretamente com o personagem do livro de Ruth!
Além disso, essas duas não são as únicas grafias existentes no grego. Nos manuscritos da Bíblia cristã, no Novo Testamento, aparece ainda, por duas vezes, a grafia Βοὲς, que seria pronunciada Boéz, em Mateus 1:5.
Grafias de outros nomes também mostram fenômenos semelhantes, indicando que o grego não é muito confiável para descobrir a pronúncia original das palavras hebraicas. E, ainda assim, no grego, o nome da coluna do Templo é Boaz e não Boóz!
A FONTE DO PROBLEMA
O problema ocorre porque a versão da Vulgata Latina, influenciada provavelmente pela grafia predominante Boóz na Septuaginta do livro de Ruth, utilizou Boóz para 1 Reis 7:21. O que é um erro, por dois motivos: Primeiro, porque não reflete a pronúncia correta do hebraico. E segundo, porque o mesmo a Septuaginta traz Boaz ao se referir à coluna do Templo!
Como durante muito tempo as traduções católicas tiveram por base Vulgata Latina, a forma Boóz, equivocada, se popularizou. Isso é compreensível, dado que as gerações anteriores à Era da Informação nem sempre tinham como verificar determinadas informações.
Todavia, considerando que atualmente temos acesso aos manuscritos mais antigos e a toda essa gama de informações, é injustificável persistir no erro simplesmente por apego ao mesmo.
CONCLUSÃO
Resumindo, temos o seguinte:
- O nome Boaz aparece 24 vezes no hebraico, sempre com a mesma vogal (pata’h).
- A vogal pata’h tem pronúncia /a/ em todos os dialetos conhecidos do hebraico.
- Não há outra tradição fonética para o nome Boaz no hebraico.
- O grego da Septuaginta também traz Boaz como nome para a coluna do Templo.
- Existem ainda, no grego, as pronúnicas Boóz e Boéz, para o mesmo nome, noutros trechos da Bíblia, mostrando que o grego não é muito confiável como fonte de pronúncia.
- A Vulgata Latina optou por padronizar o nome como Booz. A partir daí, muitas bíblias ocidentais passaram a adotar essa grafia/pronúncia equivocada.
- É compreensível que, no passado, não se tivesse acesso a tais informações. No presente, contudo, isso seria injustificável.
BIBLIOGRAFIA
BROWN, Francis; DRIVER, S. R.; BRIGGS, Charles A.; A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford: Clarendon Press, 1906.
KHAN, Geoffrey. Encyclopedia of the Hebrew Language and Linguistics – Volume 1. Boston: Leiden, 2013.
THAYER, Joseph H. Thayer’s Greek Lexicon. Biblesoft: 2011.
STRONG, James. Strong’s Exhaustive Concordance of the Bible. Peabody: Hendrickson Publishers, 2007.
Interlinear Greek English Septuagint Old Testament (LXX). Disponível em: <https://archive.org/details/InterlinearGreekEnglishSeptuagintOldTestamentPrint/page/n5>. Acesso em: <19/08/2019>
The Clementine Vulgata. Disponível em: <http://www.catholicbible.online>. Acesso em: <19/08/2019>
Sobre o Autor
Luis Felipe Moura é M∴ M∴, em processo de filiação na ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (GOP/COMAB). É bacharel em Letras (inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.
Canal do Youtube – https://www.youtube.com/channel/UClqFlmYQsvZpJfCOjmoY18g
Resposta ao Vito: Do ponto de vista mundial, considerando tanto historicidade quanto hermenêutica, a Maçonaria já se definiu pela forma Boaz faz bastante tempo. O fenômeno da popularidade de Booz é local no Brasil e tem as origens históricas que expliquei no comentário ao José Prudêncio.
Resposta ao João: Depende do que você chama de usual… Fora da Maçonaria, a forma mais usual é a grafia correta, Boaz. Se tomarmos por referência a Maçonaria no âmbito mundial, a maioria também utiliza a grafia Boaz.
Como no Brasil a maioria das lojas é do R.E.A.A. e na França o R.E.A.A. usava a forma Booz, hoje especificamente na Maçonaria brasileira se utiliza Booz. Isso é um fenômeno bastante restrito, já que o próprio R.E.A.A. na França já utiliza a forma Boaz.
Assim sendo, até o que consideramos usual é relativo. 😉
Resposta ao José Prudêncio: De fato, o objetivo do artigo é apenas responder à dúvida técnica. O sentido, que é a essência da coisa, independe da grafia.
A grafia Booz surgiu na França e foi importada pelo Brasil. Contudo, os rituais franceses do R.E.A.A., por exemplo, já trazem a forma Boaz desde o final do século 19, enquanto no Brasil a grafia Booz se manteve.
Tomara que futuramente isso seja corrigido, não apenas por uma questão técnica, como também para uma maior padronização dentro da Maçonaria.
Há muito tempo aprendi que o termo BOOZ não existe no vocabulário hebraico e sim BOAZ o remidor.
Há muito tempo aprendi que o termo BOAZ não existe no vocabulário hebraico e sim BOOZ o remidor.
Parabéns ao autor pela excelente explanação sobre a verdadeira pronúncia do nome BOAZ (ou BOOZ). Ela remove as dúvidas técnicas sobre o assunto e permite inferir que BOAZ tem fortes indícios para ser adotada como a forma mais correta.
Eu disse mais correta porque, sem desmerecer o seu excelente estudo, identifico um outro viés interpretativo que conduz à aceitação da pronúncia errada BOOZ. Nesta linha, fica a ampla divulgação e adoção, em alguns ritos maçônicos fortes e predominantes, no Brasil, como o REAA, da forma BOOZ que, apesar do erro linguístico identificado em seu artigo, tem o mesmo significado simbólico da sua contraparte verdadeira. Para o estudioso, a origem da forma do nome BOOZ ou BOAZ não vai preocupar o aprendiz durante a sua caminhada aos outros graus. Somente depois de chegar à plenitude maçônico é que o Maçom passa a se dedicar ao aprofundamento de seus estudos bíblicos, nos quais descobrirá incorreções como a analisada – e de forma elegante e científica – em seu artigo.
Constando dos rituais de todos os ritos maçônicos, eu desejo que, um dia, as Secretarias de Orientação Ritualística (ou equivalentes) das potências do grupo principal, se posicionem definitivamente quanto a esta questão, permitindo à variante da Vulgata, BOOZ, permanecer nos ritos que a adotam ou substituí-la, nos rituais, pela verdadeira, BOAZ.
Sincefra e Fraternalmente,
Prudêncio CIM/|GOB 122.900
Excelente explanação sobre o assunto.
Parabens meu Ir.´.!!!
Parabéns pelo trabalho.
Sempre tive dúvidas sobre este tema.
Obrigada.
Muito esclarecedor o trabalho do Ir.´.
Bem mas sabemos qual é o usual hoje. Certo ou errado, é o usual.
A bíblia é um mar de interpretações, traduções e muitas vezes alegorias. Um conto de fadas.
Caro Ir.’.
Bastante interessante a pesquisa, e intuo que você conclui corretamente. Contudo, sobretudo em sociedades tradicionais, como a maçonaria, desconsiderar o contexto hermenêutico, ou seja, a historicidade (Heidegger, Gadamer), vá na contramão das tradições. Quero dizer, há também uma “linguagem pública” (Wittgenstein) a emprestar coerência também a booz.
TFA.’. SFU.’.
Excelente argumentação e muito esclarecedora.
Agora não haverá mais dívidas sobre o nome correto da Col.’. BOOZ ou BOAZ, trabalho muito esclarecedor, meus Parabéns ao autor Ir.’. Luis Felipe Moura e o meu TFA.’. Carlos Craveiro.
Parabéns pelo trabalho. Sempre tive dúvidas sobre este tema. Doravante acompanharei sua conclusão. Ademais, em RUTH, o personagem é outro. O nome da coluna não é referência ao personagem de RUTH.