O GRAU DA MARCA: INGLÊS X YORK
INTRODUÇÃO
O grau da Marca existe tanto no Rito de York quanto no sistema dos graus colaterais ingleses. Mas, há diferenças fundamentais entre eles. Além daquilo que é mais trivial, como o avental e afins, quais as principais diferenças?
O objetivo deste artigo é procurar responder a essa dúvida. Todavia, em razão da fidelidade aos seus juramentos e também em respeito a quem pretende fazer os graus, o artigo não só não conterá segredo de grau, como também evitará dar detalhes que possam estragar a surpresa.
Embora, evidentemente, quem já fez um dos dois sistemas terá um entendimento mais profundo do que está sendo dito, o artigo foi escrito de forma que um maçom que ainda não fez a Marca possa, pelo menos, ter uma ideia das diferenças.
Para compreender a origem das diferenças, é preciso um pouco de contexto histórico.
HISTÓRICO
A prática de se ter uma marca acompanha os pedreiros operativos desde tempos imemoriáveis. Marcas podem ser encontradas em várias construções operativas, em diferentes lugares do mundo.
Numa obra que empregava vários profissionais, as marcas serviam para identificar que pedreiro havia sido responsável por produzir aquela determinada obra ou porção da obra.
Desde os tempos operativos, portanto, os maçons tinham sua marca pessoal. Há documentos que indicam que, ao se tornarem companheiros de ofício, recebiam sua marca.
Com o desenvolvimento da Maçonaria especulativa, a marca também passou por uma ressignificação, da mesma forma que o maço, o cinzel, o avental, etc.
Dessa forma, logo surgiriam cerimônias e graus associados à recepção da marca. (Noutro artigo, falamos sobre a Marca e os graus simbólicos. Clique aqui para ler)
HOMEM DA MARCA E MESTRE DA MARCA
Os primeiros registros de graus da marca datam de 1769, numa ata cifrada do capítulo do Real Arco chamado Chapter of Friendship, em Portsmouth, Hampshire, na Inglaterra. Nele, há registro de que Thomas Dunckerley, filho do príncipe de Gales, conferiu os graus de Homem da Marca (ou Maçom da Marca) e de Mestre da Marca.
Havia, portanto, dois graus distintos: Homem da Marca e Mestre da Marca. Isso também é confirmado pelos discursos de William Finch de 1812, que listam esses dois graus separadamente.
Ao que tudo indica, entre os Antigos, eram cerimônias separadas que complementavam os graus de Companheiro e Mestre, respectivamente.
O grau de Homem da Marca era essencialmente o momento em que o Companheiro recebia sua marca e aprendia a utilizar o alfabeto cifrado dos maçons.
Já o grau de Mestre da Marca revolve em torno da lenda da Pedra Chave do Templo de Salomão.
Como era comum que vários graus fossem conferidos numa mesma ocasião, algo indicado, inclusive, por outras atas do mesmo Capítulo, é provável que, por sua semelhança temática, os graus de Homem da Marca e Mestre da Marca tenham sido unificados em alguns capítulos. Noutros, em função da fluidez da Maçonaria no século 18, a cerimônia do Homem da Marca teria sido omitida.
Fato é que hoje não se tem notícia do grau de Homem da Marca, ou Maçom da Marca, ser conferido de forma independente. Um de seus pontos principais, o alfabeto cifrado, passou a ser ensinado noutros graus do simbolismo (quando é ensinado).
E aqui está uma das principais diferenças entre os dois sistemas: O York reteve apenas o grau de Mestre da Marca, ao passo que o sistema inglês manteve os dois, de forma unificada.
Não se sabe ao certo por que razão o York não manteve ambas as cerimônias, mas provavelmente se deve à fluidez supracitada e a uma ramificação ocorrida ainda no século 18.
Resumindo: No York, faz-se apenas Mestre da Marca. Ao passo que, no sistema inglês, faz-se Homem de Marca e Mestre da Marca.
Não pense, contudo, o leitor que o grau no York tem menos conteúdo, pois a cerimônia do York traz ainda uma parte adicional interessantíssima, que será descrita mais adiante.
Abaixo, as diferenças entre os sistemas serão relatadas. Como dito na introdução, algumas descrições serão mais abstratas porque o autor tomou o máximo de cuidado possível para não revelar nenhum conteúdo que possa estragar o impacto e a surpresa das cerimônias.
A MARCA PROPRIAMENTE DITA
Há uma diferença fundamental na maneira como a marca é feita no Rito de York e no grau inglês.
No Rito de York, a marca é escolhida e gravada pelo próprio candidato ao grau. Não há uma regra fixa, além de recomendar ao candidato que não trace linhas circulares, por razões óbvias. A marca é feita no preenchimento do formulário de adesão.
Já no sistema inglês, a obtenção da marca é ritualizada. Não é o candidato que a faz; ela é atribuída ao último por ordem do Mestre da loja. Além disso, há regras que devem ser observadas e não são admitidas marcas fora de um determinado padrão. Até porque, há um tipo de marca que é utilizada apenas pelo Mestre da loja.
A marca inglesa faz uso, ainda, da cifra maçônica, sendo um dos poucos momentos em que o alfabeto cifrado é utilizado ritualisticamente dentro da Maçonaria.
Por um lado, a marca do York parece mais próxima da realidade operativa, cujos registros históricos indicam algo bem fluido, bastante diferente do critério inglês, que tem caráter mais lendário.
Por outro lado, a marca inglesa é mais personalizada, contendo elementos que aludem ao próprio candidato. Além disso, acaba se encaixando melhor na narrativa da lenda, já que nem sempre as lendas maçônicas seguem a historicidade.
A CERIMÔNIA DA MARCA
Chamada de “Homem da Marca”, essa cerimônia aparece no sistema inglês, mas não no York.
Há uma forte ênfase no fato da mesma ser uma espécie de conclusão do grau de Companheiro, incompleto sem a marca.
Há uma pequena atuação, que ajuda a enfatizar qual a função histórica da marca para os pedreiros operativos.
Essa cerimônia também antecipa um pouco, e explica bem, o motivo do recipiendário na cerimônia principal se colocar entre os obreiros na parte final da cerimônia principal.
Embora isso não fique sem explicação no Rito de York, essa cerimônia contribui para deixar esse ponto um pouco mais enfatizado. Nessa parte, o irmão que recebe o grau sente que está concluindo o grau 2 e tornando-se um companheiro de ofício pleno.
A CERIMÔNIA PRINCIPAL
A cerimônia principal é bastante semelhante entre ambos os sistemas, embora a do York seja um pouco mais dinâmica.
Isso ocorre porque, no sistema inglês, a “verificação” é feita para três Companheiros, ao passo que no York apenas para dois. Além disso, as preleções da marca inglesa são um pouco mais extensas.
No sistema inglês, porém, a Pal. de Pas. cumpre um papel de maior destaque durante a cerimônia.
Nada disso, contudo, altera de forma significativa a essência da cerimônia ou da mensagem transmitida.
A LENDA
Há uma curiosa variação quanto a quem é o autor da Pedra Chave. No sistema inglês, trata-se do próprio recipiendário: Um hábil artesão, que contou com um momento de sorte.
Já no York, o autor é um terceiro. E há uma atitude moralmente questionável realizada em conexão com isso, o que altera um pouco a percepção que se tem do protagonista.
Além disso, na lenda do York, o horário de trabalho tem um papel importante, pois faz conexão com a segunda parte da cerimônia. Isso não está presente no ritual inglês.
A PARÁBOLA
O grau no York contém ainda mais uma cena, que não está presente na marca inglesa. Nessa cena, há uma atuação inspirada numa parábola cristã.
A parábola é bem marcante e traz um ensinamento que é muito precioso, especialmente para aqueles que já têm bastante tempo de Maçonaria.
Essa cerimônia não existe na loja de marca inglesa.
(Embora não constitua segredo de grau, o autor se absterá de identificar qual parábola inspira a cena, já que entende que o mero nome da mesma já revela muito sobre ela e pode, assim sendo, estragar a surpresa.)
A PEDRA CHAVE
Uma pequena, porém significativa, curiosidade acerca da Pedra Chave, que também não é segredo, já que está visível em aventais, comendas e outros: No York, a Pedra Chave utiliza os caracteres HTWSSTKS, aludindo ao inglês.
No sistema inglês, os caracteres são utilizados em dois idiomas. De um lado, o inglês, exatamente como no York. De outro, o hebraico: חבאשלשמי.
Isso em nada altera o sentido, que é o mesmo em ambos os sistemas, nem qualquer aspecto da lenda. Contudo, o uso do hebraico é bastante interessante para ambientar o recipiendário no contexto bíblico do grau (apesar da lenda em si ser fictícia e não uma história bíblica) e pode ser uma fonte interessante para aqueles que, por exemplo, gostam de fazer associações com a Cabalá ou coisa do gênero.
QUAL DOS DOIS ESCOLHER?
Duas perguntas são muito comuns. Mestres que ainda não fizeram o grau podem se indagar qual devem escolher. Já Mestres que tenham recebido o grau em um dos sistemas podem se indagar se vale à pena fazer o outro.
A primeira coisa a considerar é que o sistema inglês e o York oferecem vários graus parecidos, mas de forma diferente. No York, há uma progressão clara de graus. No sistema inglês, muitos graus podem ser feitos de forma independente.
Deixando isso de lado, a escolha seria algo muito pessoal. Aqueles que preferem cerimônias mais simples, dinâmicas e com uma maior variedade de temas, provavelmente preferirão o grau do York.
Já aqueles que preferem cerimônias mais detalhadas e apreciam detalhes mais históricos, e uma maior conexão com os operativos, provavelmente preferirão o grau inglês.
Mas, o autor, um apaixonado pelo grau da Marca, faz votos para que você, caro leitor, opte por fazer ambas as versões, assim aproveitando tudo aquilo que nos chegou, a partir das diferentes tradições.
Nesse caso, o autor sugeriria fazer primeiro o grau inglês, pois a Cerimônia Principal, a conexão com os operativos e a conclusão do grau de Companheiro ficam um pouco mais claros. E também porque, numa segunda oportunidade, a diferença do final do grau no York serviria como uma surpresa adicional. Mas, em qualquer ordem, fazer ambos seria bastante proveitoso.
PRIMEIRO ADENDO: O SISTEMA ESCOCÊS
Considerando que o autor escreveu sobre o Grau da Marca na Escócia (clique aqui para ler), o que se pode dizer sobre o sistema escocês em comparação com o inglês ou o York?
Embora nunca tenha presenciado a cerimônia escocesa, uma leitura cuidadosa do Ritual do Escocês Padrão (Scottish Standard) revela que ele é quase idêntico ao sistema inglês, divergindo portanto do York nos mesmos elementos supracitados.
SEGUNDO ADENDO: MESTRE DE MARCA OU DA MARCA?
É comum que quem fez o grau pelo Rito de York esteja habituado à nomenclatura “Mestre de Marca” ao passo que o ritual inglês geralmente traz “Mestre da Marca”. Para este artigo, utilizou-se a segunda opção.
Na realidade, essa distinção existe apenas no português. Ambas as formas são traduções possíveis para o termo “Mark Master”.
BIBLIOGRAFIA
BEGG, David M. (ed) The “Standard” Ritual of Scottish Freemasonry. Edinburgo: The Grand Lodge of Antient Free and Accepted Masons of Scotland, 2012.
JONES, Bernard. Freemason’s Book of the Royal Arch. Londres: George G. Harrap & Company, 1957.
SNOEK, Jan A. M. (ed.). British Freemasonry, 1717-1813 (vol. 2). Nova Iorque: Routledge, 2016.
RITUAL do Grau de Mestre de Marca (ed. 2017). Rio de Janeiro: Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil, 2017.
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RITUAL of Mark Master Mason. Indiana, 1952.
RITUAL of Mark Master Mason. Iowa, 2001.
RITUAL for Mark Master – Order of Mark Master Masons, 1992.
SOBRE O AUTOR
Luis Felipe Moura é M∴ M∴, membro da ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (GOP/COMAB), do Capítulo Piratininga 13 de Maçons do Real Arco (Rito de York) e da Loja Templários do Terceiro Milênio de Mestres Maçons da Marca nº6 (Grande Loja de Mestres Maçons da Marca do Estado de São Paulo). É bacharel em Letras (inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.